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O futuro dos shoppings

16 de junho de 2021

Zeh Henrique Rodrigues entrevistou Paola Marques, sócia da GH+A Design, empresa canadense com sedes nos EUA, responsável pela reinvenção de diversos Malls.

Os shoppings estão realmente morrendo ou precisam ser reinventados para sobreviver e continuar relevantes?

Os shoppings que não estão investindo para atender às novas necessidades dos clientes e mudanças culturais acabarão sendo descartados. O propósito do shopping está evoluindo em relação àquilo que conhecíamos. Em vez de uma abordagem comum de varejistas nacionais padrões com algumas grandes lojas-âncora, empresas incorporadoras de sucesso estão diversificando o mix de lojas, incluindo alimentos, entretenimento, saúde e bem-estar. Usar a fórmula original não funciona mais.

Diferenciação e relevância são fundamentais. Os centros regionais devem ter uma estratégia de varejo diferente dos centros de moda e outlets. Sem esse foco estratégico, alguns shoppings não têm conseguido competir pela atenção do consumidor. Novos conceitos em F&B mostram que a expectativa de encontrar alimentos de qualidade está impulsionando a mudança e as incorporadoras estão integrando ofertas de alimentos aprimorados em suas propriedades. A combinação de F&B com os conceitos de entretenimento ajudam a aumentar o tempo de permanência dos visitantes e criar locais destinados não apenas para compras. Novos conceitos de condicionamento físico e saúde e bem-estar podem trazer uma nova vida para alguns shoppings para complementar as lojas de varejo existentes e as novas. O alinhamento com as necessidades e desejos dos consumidores amplia a relevância dos shoppings hoje.

Um dos maiores projetos da GH+A até hoje é o “American Dream”, em New Jersey, um espaço de quase 1 milhão de metros quadrados onde o entretenimento do estilo de vida encontra novas opções de alimentação e novos conceitos de varejo, aliados a atrações de última geração e muito mais.

Qual é o papel dos proprietários em esperar dos varejistas “algo a mais” e “diferente”?

A maioria dos donos de propriedades presenciou a mudança inevitável necessária para passar do status quo para o novo normal para que seus locais tenham longevidade e sucesso. Eles estão mais cientes e conhecem os novos conceitos e estão exigindo que os varejistas apresentem o seu melhor. As locações são, agora, mais do que nunca, movidas pela expectativa de que o seu espaço terá um conceito elevado.
Da mesma forma, os critérios de design se tornaram guias de design mais inspiradores do que apenas regras e proibições. Os proprietários estão incentivando que o processo de revisão do projeto do locatário seja de natureza mais colaborativa, com ideias preliminares compartilhadas para evitar a implementação de um projeto padrão em seus shoppings.

Os consumidores ainda vão aos shoppings, mas seus hábitos mudaram… BOPIS, entretenimento, exposição de produtos, testes, praças de alimentação, serviços etc. Qual é a nova fórmula de espaço de uso misto para futuros shoppings?

É um momento muito empolgante para o varejo e são os consumidores que estão definindo esse cenário. O desejo de mudança é uma nova realidade para o setor. Por isso, há muitos novos varejistas e conceitos de teste de F&B e alguns varejistas on-line estão testando suas marcas na loja física. Isso forçou os varejistas existentes a também explorar a mudança para sobreviver.

Essa mudança de paradigma de liderança do consumidor moldou essa nova combinação. Portanto, os shoppings estão pesquisando qual é a melhor combinação com base em sua localização e observando qual deve ser o foco do varejo para integrar adequadamente essas novas ideias. As fórmulas agora não podem ser padronizadas, elas precisam estar de acordo com o local. As praças de alimentação se tornaram as novas âncoras. Comidas e bebidas mais elaboradas têm muito sucesso ao lado de locais para entretenimento, e estes precisam de um estudo cuidadoso da localização para permitir horários estendidos e fácil acesso. Um ótimo exemplo disso é a área de alimentação “Time Out” em Montreal, Canadá. Locais de alimentação de alto nível e espaço para eventos sociais revitalizando um shopping existente no centro da cidade. E a “Pustaeris”, uma loja de alimentos especializados em parceria com as lojas Saks Fifth Avenue no Canadá, para levar o conceito Food is Fashion aos seus clientes. Clique aqui para ver fotos de design.

As áreas para o novo varejo pop-up foram incorporadas como parte do mix em locais de maior destaque. A programação principal dos shoppings deve refletir as mudanças de expectativas e hábitos dos consumidores.
As incorporadoras também estão criando locais de uso misto que integram escritórios e residências de uma escala menor a uma escala maior, porque alguns desses shoppings estão em localizações imobiliárias privilegiadas.

Os futuros conceitos de varejo são o “espaço em evolução do mercado moderno” (Fourpost, produtos de bairro)? Por quê?

Este é um dos mais empolgantes novos setores do varejo, que está criando oportunidades para diferentes marcas testarem e mostrarem seus produtos e receberem feedback pessoalmente. Esse “mercado moderno” permite que diversos produtos sejam levados aos consumidores em um formato cuidadosamente escolhido. Esse mercado é multifacetado, pois a variedade de produtos pode ser focada em estilo de vida, ou saúde e bem-estar ou outros temas relevantes.

É um espaço em constante mudança, que envolve os consumidores em um ritmo mais rápido do que a maioria do varejo. Isso é relevante na medida em que esse mix pode reagir instantaneamente às tendências. Locações mais curtas, menos comprometimento e resposta mais rápida para apresentar novas marcas emergentes aumentam o fluxo de tráfego e incentivam os clientes a visitar o local com mais frequência.

Ótimos exemplos disso são o “Neighborhood Good” em Houston e em New York e um projeto chamado “FOURPOST”, que desenvolvemos para um cliente. A abordagem dessa marca era preparar um espaço que apresentasse diversas categorias de produtos com fortes adjacências em um ambiente que atendesse às necessidades das famílias, não apenas de compradores individuais. A integração do espaço para alimentação e eventos com uma área de recreação infantil é a nova definição de uma antiga loja de departamentos; o mercado moderno.

Os gigantes da nova evolução, Starbucks, Eataly… Como os varejistas menores podem ser GRANDES com menos dinheiro e ainda assim terem sucesso? O que eles podem fazer?

Enquanto os varejistas gigantescos investem e oferecem “espaços definidos”, que dependem do movimento físico dos clientes em direção a essas experiências, espaços menores podem fazer o oposto e mudar seus espaços e experiências com mais frequência para movimentar o tráfego de pessoas de uma maneira diferente a cada visita. É exatamente nesse ponto que a agilidade em produtos e serviços será benéfica aos varejistas menores em longo prazo. Eles podem reagir mais rapidamente às mudanças das necessidades do consumidor e oferecer experiências mais personalizadas e mais interação com a equipe.

Definitivamente, não é mais o mesmo tipo de negócios. Que conselho você pode dar hoje a qualquer varejista (aquele já com um legado ou aquele começando a construir a sua base) se ele quiser ter sucesso e ser relevante?

Seja ágil, flexível e atento às expectativas do consumidor. Além disso, eles precisam ser transparentes em seus processos de abastecimento e fabricação. Ser fiel a uma marca significa estar alinhado aos seus valores e práticas, essa é a nova norma. Grandes experiências para o cliente, independentemente do tamanho da marca, também são uma nova realidade. Os consumidores estão moldando o varejo, e não o contrário. As marcas tradicionais precisam se ajustar a um mercado mais jovem e, ao mesmo tempo, permanecerem fiéis aos seus valores essenciais para continuarem autênticas. Trazer novidades ao que já existe é essencial. Embora possa haver alguns desafios iniciais, novas ideias sobre a aparência e operação das lojas precisam ser consistentes com a mensagem a ser transmitida desde a loja online até a física.

Você poderia falar um pouco sobre a sua carreira e o que você aprendeu como designer/planejadora ao longo da sua trajetória, que ajudaria a entender a nova geração que está entrando nesse setor? Quais disciplinas profissionais você acredita serem desejadas e exigidas e qual é o conselho número um que você pode dar a um jovem designer hoje?

Quando jovem, eu sabia que precisava construir coisas ou pelo menos estar envolvida na criação de coisas a serem construídas. Percebo agora que eu sempre tive amor pelo “processo” como um todo. Desde a ideia de construir um forte, passando pelo desenho do forte para depois construí-lo com sobras de madeira. Comecei muito jovem, desenhando casas e criando-as com dobraduras de papel; antes de descobrir o origami, é claro. Aqui foi onde tudo começou: a criação de algo e sua conclusão final até a próxima ideia.

Eu tive um professor de matemática no ensino médio casado com uma mulher que era dona de uma grande e conceituada empresa de design de escritórios em Toronto na década de 1980. Ele viu que eu tinha dificuldade com equações matemáticas, mas ficou muito impressionado com a forma com que eu consegui “desenhar” meu pensamento em esboços 3D para entender as fórmulas. Então ele convenceu sua esposa a me levar para um tour no seu grande escritório, e eu acabei me apaixonando pela profissão com a qual eu poderia criar belos espaços, desenhando e administrando locais que resultariam em espaços maravilhosos e que afetariam a vida das pessoas.

Estudei na Ryerson University e trabalhei em Toronto para grandes e pequenas empresas de design de escritórios e design de varejo. Tive a oportunidade de me mudar para Montreal para trabalhar em um grande projeto de um hotel e lá permaneci para desenvolver projetos mais focados no varejo.

Minha carreira me permitiu trabalhar em projetos muito diversos em diferentes setores, mas também em escalas de projetos muito diferentes. Também me permitiu viajar muito e conhecer o design de diferentes culturas, assim como algumas pessoas interessantes com uma paixão comum por criar e construir. Isso me moldou para sempre.

Os jovens designers de interiores devem se filiar e apoiar a sua associação profissional. Isso garantirá que o valor do design thinking seja mais bem compreendido.

Designers devem se preparar globalmente, buscando diferentes habilidades, incluindo projeto conceitual, iluminação, merchandising visual etc. Devem até entender de aspectos técnicos de como os projetos são construídos.

As novas tecnologias estão nos permitindo traduzir melhor nossas ideias, mas nunca subestime o impacto que um desenho à mão tem ao explorar uma ideia.

Compreenda o impacto que o design tem no negócio da marca/cliente. Entenda os negócios do cliente.

Entenda que projetar espaços de varejo requer um equilíbrio de muitos componentes; esculpir um ambiente 3D, usando materiais que evocam emoção ou ação, elementos que inspiram a interação e o envolvimento do cliente e aprimoram um produto ou serviço. Deve ser verdadeiro para a marca em todos os sentidos.

Seja curioso e lembre-se de que o design thinking não é apenas para o varejo. Esse processo, às vezes fluido, tem uma lógica subjacente que é vital para resolver todos os tipos de questões e desafios. O modo como as pessoas entendem, se envolvem e interagem com produtos, espaços, máquinas e outras pessoas pode ser entendido por meio do design thinking. Ser curioso e ter a mente aberta ajudará na descoberta de novas soluções em um mundo de mudanças consistentes. O mundo é uma fonte infinita de inspiração, e ser curioso é a porta para essa exploração.

Atenção: o mais subestimado dos valores é entender onde realmente está o problema do design. Fazer suposições reduz a possibilidade de uma nova descoberta e inovação.

Seja implacável na exploração de novas ideias e compartilhe essa paixão com seu cliente.

Paola Marques tem mais de 30 anos de experiência em projetos estratégicos para ambientes de vendas, construindo conceitos inovadores para engajar consumidores e ampliar suas experiências de compra. Mora em Toronto.