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Aumente a frequência, não o preço: uma aplicação da IA para o varejo
1 de novembro de 2024
Estar em Las Vegas é sempre um exercício de descoberta. Há anos, compareço em eventos ali, vendo um painel diversificado de pessoas, negócios, ideias, comportamentos misturados em um ambiente que parodia a realidade, a comenta e a ressalta. Esse ano não foi diferente. Estive no Money20/20, um evento para o ecossistema de fintechs, que atraiu milhares de lideranças, empreendedores, reguladores e executivos para debater inovação, Inteligência Artificial e melhores práticas de negócios.
Um dos destaques do Money20/20 foi a enorme evolução do ecossistema de fintechs e os reflexos nos mais diferentes tipos de negócios e empresas. Seria possível estabelecer relação entre os aprendizados compartilhados pelo mercado financeiro e aplicações orientadas ao varejo? A resposta é sim.
Nos dias de hoje, como se sabe, o brasileiro enfrenta desafios econômicos significativos. A maioria dos consumidores é de renda média, com restrições financeiras que limitam suas opções de compra. Essa situação cria um dilema bidimensional para os negócios de varejo.
Na primeira dimensão, os varejistas dividem um volume de rendimentos que cresce pouco (em velocidade inferior aos custos operacionais, inclusive) e é extremamente sensível a novos entrantes, como os sites de aposta. Na segunda dimensão, o dilema está na dificuldade das redes varejistas em assumir que a maioria do seu público é da classe média brasileira – uma massa correspondente a 60%-70% da população, com renda diária de US$ 3 a US$ 5.
Nesse contexto, como os varejistas podem aumentar a frequência de visitas às lojas, tanto físicas quanto online, sem comprometer as margens de lucro? A resposta pode estar na aplicação consistente da IA.
Entendendo o comportamento do consumidor
O comportamento de compra do consumidor é influenciado por uma série de fatores, incluindo a necessidade de economizar e perceber valor em cada transação. O brasileiro não é exatamente sensível a preço, mas é sensível à frustração do preço de um produto ter aumentado mais rapidamente que sua renda. É pela sensação de poder aquisitivo sempre justo, aliado ao esforço imenso que o consumidor brasileiro faz para poder comprar, que ele se sente no direito de ser recompensado pela sua escolha.
Para os varejistas, entender essas nuances é crucial. Em vez de se concentrar apenas em aumentar o preço em cada venda, é vital considerar estratégias que incentivem os clientes a voltar mais vezes. Um aumento na frequência de compras pode, efetivamente, compensar a falta de elevação no ticket médio, levando a um crescimento sustentável do negócio.
O papel da IA
A IA pode ser uma aliada poderosa nesse desafio. Com a capacidade de analisar grandes volumes de dados, essa tecnologia permite compreender melhor os padrões de consumo e as preferências dos clientes. Assim, ajuda a identificar oportunidades de vendas e permite a criação de experiências de compra mais personalizadas.
Mas, para isso, é necessário enquadrar corretamente qual tipo de produto poderá ser priorizado e utilizado como gancho para atrair o cliente mais vezes para sua loja. Antes disso, desenvolver modelos e mais modelos é fundamental. É o que libera o potencial da IA para gerar resultados mais consistentes.
Por exemplo, modelos de IA podem ser utilizados para prever quando um cliente é mais propenso a comprar e em quais produtos está mais interessado. Essas informações são fundamentais para desenvolver estratégias de estímulo que incentivem a recorrência.
Modelo de aumento de frequência
Modelos, modelos, modelos. Um dos aprendizados mais efetivos do Money20/20 é a necessidade de repensar a atividade da empresa para torná-la competitiva a partir do uso da IA. Antes de investir na tecnologia, porém, toda empresa, independentemente de seu setor de atividade, deve estabelecer dos objetivos essenciais:
1. Incorporar o processo de “fábrica de IA” para além da atividade central da empresa. Ou seja, montar, treinar, contratar ou estabelecer parcerias com um pequeno time de profissionais capaz de produzir os códigos necessários para o desenvolvimento dos pilotos da tecnologia que realmente façam sentido para o negócio.
2. Entender quais são os dados que realmente trazem insights que geram valor para o negócio para, então, criar modelos. Por exemplo, de nada adianta focar no aumento do NPS, se o valor está alocado na frequência de compra.
Considerando o comportamento e as características do consumidor brasileiro, que se sente pressionado pelo dinheiro curto, pela busca por satisfazer necessidades imediatas e pela vontade de perceber retorno efetivo da sua escolha – a recompensa pelo seu esforço –, não adianta focar no aumento do ticket médio. O que alimenta o fenômeno das lojas de “blusinhas on-line” e das BETs é o estímulo à frequência de compras e à habilidade delas de dar voz ao consumidor.
Para aumentar a frequência de visitas, os varejistas podem implementar uma série de estratégias baseadas em “nudges” ou estímulos comportamentais. Isso pode incluir:
• Promoções personalizadas
Enviar ofertas específicas que se alinhem com os interesses dos clientes, incentivando-os a visitar a loja mais frequentemente. É preciso criar o ambiente do cliente, o seu “depósito de sonhos”, lista de desejos, “seu guarda-roupa virtual” – um espaço que possa ser revisitado e que permita à empresa criar pequenas ofertas adicionais que “desovem” essa lista. IAs são incríveis para organizar esse movimento
• Lembretes e ofertas temporárias
Utilizar dados de comportamento de compra para criar campanhas de lembretes que convidem o cliente a retornar, promovendo a sensação de urgência
• Experiências personalizadas
Criar uma conexão emocional com o cliente, oferecendo experiências de compra que vão além do produto em si, como eventos ou workshops exclusivos. Se a operação tiver lojas físicas, o espaço deve ter em vista um formato de ecossistema, que faça a loja se conectar com outros negócios parar criar novas oportunidades
Além disso, a gestão de estoque e de categoria podem ser otimizadas com velocidade pela IA. Vale pensar em formas de garantir que os produtos mais procurados estejam sempre disponíveis, aumentando a probabilidade de compras recorrentes.
Para os varejistas que desejam adotar essas estratégias, o primeiro passo é integrar a IA nas operações diárias. Por exemplo:
• Os chatbots de atendimento ao cliente podem oferecer recomendações personalizadas e suporte em tempo real
• Análise preditiva para entender comportamentos e preferências dos clientes, ajudando a ajustar campanhas de marketing e gestão de estoque.
Benefícios do aumento de frequência
Ao focar na frequência de compra, os varejistas não apenas aumentam suas vendas, mas também constroem uma base de clientes leais. Essa estratégia ajuda a melhorar a percepção da marca, criando uma relação mais forte com o consumidor, que se sente valorizado e compreendido. De acordo com a natureza de cada operação, os programas de fidelidade que concedem cashback ao consumidor, por exemplo, têm mais chances de obter adesão. É sempre é bom estudar quais são os marcadores culturais do seu público. É o que torna a sua loja um motivo de comentário positivo, ou seja, a criação do “valor de fala”.
Aumentar a frequência de compras em vez de focar apenas no ticket médio é uma abordagem que pode gerar resultados significativos para os varejistas brasileiros, especialmente em um cenário de restrições financeiras. O Money20/20 mostrou que estratégias focadas na frequência de visitas foram essenciais para o sucesso das fintechs que, inclusive, criaram seus próprios marketplaces – Nubank é o grande exemplo. A IA oferece as ferramentas necessárias para transformar esse desafio em uma oportunidade, a partir de benchmarks seguros e que trazem menor risco de investimento.
A tecnologia permite que negócios, até então distintos, sejam “aglomerados” e incorporados, no formato de marketplaces, combinando serviços financeiros com produtos que tenham valor e repercutam para além da necessidade do cliente. Mesmo que o varejista não tenha nascido como digital player, com a IA ele pode dar um salto, ajustando a omnicanalidade de modo simples – unindo loja física, WhatsApp, app e uma rede de parcerias que viabilizem mais motivos de retorno para o cliente.
Bons modelos de IA, definidos a partir de testes pequenos e aprendizados, proporcionam insights valiosos e estimulam a criação de experiências mais ricas e personalizadas. À medida que os varejistas abraçam essas tecnologias, estarão melhor posicionados para prosperar em um mercado em constante evolução.