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Precisamos de mais flagships?

16 de junho de 2021

A GAP anunciou o fechamento da loja mais icônica da rede, situada em San Francisco, cidade natal da marca, em operação desde 1994. Enquanto isso, marcas como Louis Vuitton e Adidas abrem novas e surpreendentes flagships no Japão e nos Emirados Árabes, respectivamente. Outras grandes marcas, como Lord & Taylor e Barneys, amarguram o fracasso de suas lojas-conceito.

E agora? As flagships estão ameaçadas? São coisas de um passado distante que já não se enquadram nos novos conceitos do varejo atual? Culpa da pandemia?

Voltemos brevemente ao conceito da expressão flagship. Ela se refere ao navio-chefe que lidera uma frota, tendo hasteado em seu mastro principal o galhardete, estreita flâmula que o identifica e o distingue dos demais. Transpondo para o universo varejista, a flagship também nasceu para ser a referência, estar à frente de todas as outras, seja pela grandiosidade ou pela ampla oferta de serviços e produtos. Ou tudo isso junto.

Ao longo dos anos, contudo, essas operações não se mostraram lucrativas, uma vez que os custos de implementação e manutenção também são proporcionais à sua grandiosidade. Sabemos ainda que, na teoria, ou na prática, as flagships não têm a obrigação de ficar no azul, considerando que sua principal função é aprimorar a percepção da marca por parte dos seus públicos. Simplificando: seu objetivo é exibir-se com todas as forças de modo a cooptar o maior número de fãs para a marca.

O que certamente ninguém esperava era uma pandemia para deixar esses números ainda piores. Como, na maioria das vezes, para não se falar em totalidade, as flagships estão localizadas em zonas turísticas com alto fluxo de pessoas, o impacto foi gigantesco. Em muitos casos, a exemplo do cubo da Apple em Manhattan, loja e ponto turístico se confundem em uma coisa só.

E, como não poderia ser diferente, no auge das crises é que surgem as melhores discussões. O que vale agora é analisar com bastante parcimônia o que fica e o que passa para que não haja distorções dos fatos.

Uma certeza é que as lojas-conceito têm papel fundamental na construção das marcas, pois são 100% emocionais e aspiracionais. Eliminá-las não faria nenhum bem para as empresas, tampouco aos consumidores; muito pelo contrário, passaria a impressão de que as flagships não tinham nada a acrescentar na jornada de experiência. O que sabemos que não é verdade.

Muitas marcas, porém, não tiveram êxito, e suas flagships tornaram-se apenas lojas enormes, sem alma, sem autenticidade, inúmeras vezes apenas um showroom de traquitanas que não contam história alguma e são desconectadas dos consumidores. Assim aconteceu com a flagship da Puma, inaugurada em 2019 na icônica 5th Avenue de NYC. Não havia elementos que construíssem a identidade clara da Puma. Não havia história, não havia emoção, não havia conexão com os grandes esportistas que ajudaram a construir essa poderosa marca. E é exatamente isso que o consumidor busca quando está em uma loja-conceito: conhecer para se identificar. Mas o que se vê na loja é uma sequência de “boas práticas” que toda flagship deveria ter: tecnologia, customização, interação, café, VM impressionante, vários andares. E? What else?

Outra marca que tentou foi a Asics, que também recentemente inaugurou sua loja-conceito na mesma avenida, mas passou longe de convencer o público sobre suas qualidades e forças. Comparadas a Adidas e Nike, a poucas quadras de distância, perdem de goleada no que diz respeito a transmitir um conceito claro, estar próximo dos shoppers, criar um canal relevante em meio a tanta futilidade que vemos atualmente. Quem já esteve nessas quatro lojas, deixe um comentário sobre suas impressões.

Outro ponto certo, e mais atual, é que o conceito de flagship/loja-modelo deve estar presente em cada loja da rede. É inadmissível ter duas ou três lojas suntuosas e dezenas de péssimas replicações. Isso não tem o poder de engajar, não é autêntico, causa frustração e desconexão com a marca. Na ausência de força para fazer uma flagship, priorizar as operações locais é essencial, transformando cada processo, cada colaborador, cada SKU na prateleira numa poderosa ferramenta de real conexão com seus consumidores.

Assim tem feito a Nike em sua brilhante e bem-sucedida estratégia de canais. Cresce nas operações locais com formatos menores (relevância), amplia seu poderio por meio das flagships House of Innovation (presença) e consolida sua posição virtual com o app Nike Plus (conexão).

Importante também destacar aqui o fenômeno das click to bricks (nascidas online e que migraram para o varejo físico), que, nos últimos anos, saíram dos seus ambientes virtuais para ganhar vida no formato de flagships. O interessante é que muitas nem se intitulam como tal e replicam seu formato para diversas outras unidades. Como se afirmassem que loja-modelo precisa ser TODA loja da rede que venha a ser aberta.

Vale deixar claro que cada empresa tem suas particularidades. Marcas como Lululemon, Warby Parker, Apple e Tesla concentram seus conceitos de loja no profundo engajamento com a comunidade e conseguem ter o “clima de flagship” em ambientes menores, com menos imponência. É certo? É errado? Faz parte da estratégia individual e deve responder às perguntas: quem é meu público e o que é melhor para ele?

Novas propostas têm emergido no universo das flagships, procurando dar sobrevida ao conceito. É o caso do espaço compartilhado por diversas marcas com total sinergia e complementariedade entre si. Esse formato traz vantagens financeiras, pois dividem-se também todos os custos inerentes à abertura e manutenção do ambiente. Neighborhood Goods, nos EUA, e o The Frasier Group, em Londres, são exemplos de iniciativas que reúnem diversas marcas em um único ambiente com conceito ampliado de experiência e imersão.

Em resumo: novamente, o que muda é o formato e não o canal. O conceito das lojas-modelo permanece atual, buscando ampliar a compreensão sobre a marca, a visibilidade sobre o negócio e a conexão com seus públicos. Seja num ambiente de 50 ou 5 mil metros quadrados, o que não pode faltar é relevância e consistência.

E vem por aí a NRF 2022 em Nova York. Pra quem conhece, sabe que é dever voltar, ainda mais neste momento pós-pandemia. Para quem ainda não foi, é a chance de viver ao vivo as melhores flagships do mundo em uma única cidade. Sem falar, é claro, nos fantásticos conteúdos observados durante o evento de três dias no Jacob Javits Center. Imperdível para quem precisa estar atualizado.

Autor: Zeh Henrique Rodrigues
Rodrigues, Sócio da Varejo180, diretor de estratégias de Branding e Varejo da Brainbox e VP de Operações do Grupo OM. Ex-presidente e membro do Conselho POPAIShop! Brasil.