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Previsões, imprevisões e imprevistos: 2025 além do óbvio

9 de janeiro de 2025

O leitor deve estar se perguntando, a partir da palavrinha perdida no meio do título desse post: “Como assim, imprevisões? O que vem a ser uma imprevisão?”. Antes de responder a essa pergunta, vamos ao contexto: A cada final de ano, um enxame de analistas, palpiteiros, consultores, futuristas e especialistas aparece para exigir seus prognósticos e previsões para o ano seguinte, nas mídias sem assunto e nas redes sociais sem juízo. Como ninguém anota esses “dados” e nem se dá ao trabalho de checar 12 meses depois, o ciclo se repete.

Previsões e prognósticos são sintomas da “infodemia” – a epidemia de informação excessiva –, que causa sobrecarga cognitiva e interfere na nossa capacidade de julgamento. Daniel Kahneman, Olivier Sibony e Cass Sunstein, escritores de “Ruído, uma falha no julgamento humano”, comentam, com uma fartura de exemplos e dados, o quanto o overload de informação inútil, os ruídos comprometem nossa capacidade de decisão, distorcendo nossa visão dos fatos.

Melhor do que perder tempo com previsões normalmente inúteis e improdutivas, é ter em mente que a incerteza é dominante. A cada ano, fatos novos, circunstâncias e movimentos diversos – culturais, sociais, econômicos e políticos – ase combinam para fazer picadinho do previsto e dar razão à incerteza. Daí a opção pela imprevisão, ou seja, por abrir mão de previsões que circulam por aí e se preparar para o imprevisto.

Em tese, uma imprevisão é uma renúncia ao planejamento, logo, um elogio à imprevidência e até mesmo à negligência. Mas, vamos lá: quantas empresas realmente se dignam a fazer planejamentos ano após ano e, mais ambiciosamente, executá-los? Ainda que tenhamos empresas disciplinadas (que planejam e se dispõem a executar), quantas delas não têm de rever esse documento após três meses?

Ignore as (im)previsões, fique com as metas

Metas são mais fáceis e mais claras e, por isso mesmo, podem ser perseguidas com total adaptação às circunstâncias em jogo – eventos como uma pandemia, a adoção de um meio de pagamento como o PIX, um ano sem inverno, a onda dos sites de apostas, uma nova tecnologia, não importa. Quanto mais exposto ao acaso um negócio estiver e quanto menor for a possibilidade de controlar as condições de exercício de uma atividade, maior será o impacto da falta de habilidades que são essenciais à competitividade – basicamente, bons sistemas e práticas de experiência do cliente e inovação.

O varejo, com sua dinâmica e a pressão constante por manter o caixa saudável, deveria priorizar permanentemente a incerteza como parte fundamental do negócio. Isso significa, por um lado, que é impossível enquadrar o futuro em um mundo VUCA – você sabe, a sigla que significa Volátil, Incerto (uncertainty, no inglês original), Complexo e Ambíguo – ainda mais incerto nestes tempos conturbados; por outro, que o varejista deveria buscar, no presente, sinais que tenham poder para mexer no negócio no curto prazo e mesmo em um futuro próximo.

Identifique os ruídos, atente-se aos fatos

Por isso, ao falar de imprevisão, a recomendação é estimar a possibilidade de ocorrência dos fatos e os percentuais dos desdobramentos, em árvores de decisão mais estruturadas, tridimensionais e não planas. Um exemplo: de que vale prever um crescimento de 2% (ou dentro do intervalo de 1,5 a 2,7%) para este ano, se qualquer um desses números será certamente inferior à inflação que, com 99% de chances, será superior a 3,5% (na verdade, a melhor aposta é em torno de 5%, com probabilidade de 70% a 75% de ocorrência)? Outro exemplo: orientar o sortimento para a “Geração Z” é uma decisão com alto risco. Pensando em moda, o fast fashion combina mais com um público maduro, já que o Z muda de gosto em uma velocidade instagramável e não encontra nas lojas físicas o que procura. Daí a recorrência ao sortimento rápido, enxuto e infinito das lojinhas asiáticas on-line.

O varejo deveria considerar repensar a experiência do cliente e potencializar a oferta da “Felicidade do Fortuito”, ou seja, criar formatos para atender a um consumidor volúvel, que enxerga toda compra como descartável – válida somente para um determinado momento da vida. Essa é uma aposta melhor para motivar vendas, considerando um cenário de juros lunares ao longo de 2025 (e também em 2026, uma aposta ambiciosa, com 60% de chance de se concretizar – qual seja, o ano eleitoral com juros básicos acima dos 15%).

Acima de tudo, todo varejista deveria ter profissionais voltados para separar sinais de ruídos e estatísticos capazes de estimar o impacto potencial de eventos fortuitos. Um aumento de tarifas de produtos brasileiros importados pelos EUA tem correlação com algum fator que possa inibir vendas? Um fenômeno da música ou um movimento cultural ou uma discussão do BBB pode resultar em vendas de um determinado produto? Um cashback que se converta no pagamento de uma mensalidade de streaming do cliente pode gerar recorrência? Um ano mais chuvoso em determinadas regiões pode ser explorado de que forma? O que o comportamento do consumidor diz sobre o tamanho dos SKUs disponíveis? Quais as características exclusivas que caracterizam a experiência do cliente no seu negócio? E quais os marcadores sociais que tornariam essa experiência marcante e digna de ser repercutida pelo cliente? Em que conversa de consumidores essa experiência se enquadra?

Não se faz nada disso sem ler os sinais para extrapolar a criação de oportunidades de gerar vendas e valor de gratificação para o cliente. Quando o negócio se deixa orientar apenas pelas previsões imediatas, torna-se simplesmente um produtor ostensivo de mais do mesmo. E, aos olhos dos consumidores, mais ansiosos e em busca de dopamina para lidar com um mundo para eles também incerto, a rotação da decisão é outra. Pegadas e pistas digitais são deixadas aos terabytes na rede. E essas pistas indicam caminhos para serem explorados e sonhos sendo arquitetados e descartados – e “sonho é apenas uma palavra para quem não tem nada a perder”, cantava Janis Joplin.

Esse é o espírito do tempo de consumidores que não têm nada a perder e que não admitem o direito de errar nas suas escolhas. Por essas e outras, ainda há tempo para rever o seu planejamento estratégico. Se ele contemplou as previsões de praxe, fique com as imprevisões e ajuste o radar para abraçar a incerteza. Empresas aptas a enxergar o impacto do imprevisível e responder com ideias também imprevisíveis terão mais chances de fechar 2025 com um resultado 5% acima do resultado do PIB somado à inflação do período.