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Paradoxos do Varejo Atual
15 de fevereiro de 2022
Impressões sobre o varejo de Nova Iorque durante a NRF 2022
Já é lugar comum discorrer sobre o “novo normal” e como a pandemia afetou os negócios, em particular o varejo, onde as relações humanas são tão intensas e recorrentes. Observando o varejo da Big Apple identifiquei uma série de paradoxos que reforçam o fato de que ainda vivemos uma fase de grandes transformações.
#1 – Muitos imóveis disponíveis para locação comercial, o que sugere dificuldades no setor, convivendo com uma enorme demanda por empregados, com vagas abertas para todo lado.
Uma possível explicação é que os desempregados pouparam a ajuda emergencial e agora estão vivendo dela, aguardando oportunidades que paguem melhor ou que não exijam a exposição ao público, como ocorre no varejo físico.
#2 – Apesar de toda expansão do comércio eletrônico, a Barnes & Noble se mantém viva na 5ª Avenida, um dos endereços mais caros do mundo e a Fao Schwarz reabre e mantém sua loja física em operação no Rockfeller Center.
Difícil entender como estes dois ícones do varejo norte-americano ainda se mantém de pé, ainda mais se considerarmos que as principais categorias de produtos — livros e brinquedos — foram as pioneiras do comércio eletrônico há décadas.
#3 – Lojas autônomas da Amazon não abre aos finais de semana.
Contradizendo tudo o que pensamos sobre a disponibilidade e conveniência de uma loja autônoma, a Amazon Go de Nova Iorque fica fechada no sábado e no domingo. Pode ser por uma contingência (falta de pessoal) ou por algum motivo específico, mas essa decisão reforça que o negócio do varejo é extremamente dependente de pessoas.
#4 – Lojas investem em Big Data e na personalização de produtos, mas ainda recorrem a velhas fórmulas de promoções e liquidações.
Apesar de todos os avanços dos softwares, da inteligência artificial e dos modelos preditivos de comportamento de consumo, o varejo ainda convive com enormes sobras de estoques, que evidentemente precisam ser “queimadas”, abrindo espaço para novidades.
#5 – Redes com presença omnicanal oferecem entregas em até duas horas, mas a ruptura permanece frequente, mesmo em categorias destino e de alto giro.
Provavelmente em consequência das baixas de pessoal provocadas pela Covid-19, a reposição de produtos nas gôndolas permanece igual ou pior do que no passado próximo. Mesmo com a ajuda de sistemas sofisticados, a ruptura permanece como a principal fricção na jornada de consumo.
#6 – Lojas investem em espaços belíssimos e instagramáveis para atrair os consumidores de volta para as lojas, mas reduzem a equipe de atendimento.
Pode ser uma percepção do momento, mas há uma sensível redução nas equipes de vendas e atendimento das lojas em Nova Iorque, de uma maneira geral (vide #1). Nem sempre essa falta é compensada com automações ou self-checkouts. Filas estão mais demoradas, mesmo em horários de baixa visitação.
#7 – Muitos fabricantes investiram no DTC (Direct to Consumer) e lojas próprias, mas o varejo tradicional multimarcas permanece forte e agora explorando ainda mais suas marcas próprias.
A redução da renda de parte expressiva da população ocasionada pela crise, impactou diretamente nos hábitos de consumo, que em períodos de maior restrição levou muito consumidores para o comércio eletrônico. Entretanto, em um segundo momento, o consumidor voltou a buscar preços melhores, sendo amparado por marcas próprias das lojas físicas.
Sim, a pandemia da Covid-19 está relacionada a maioria dos paradoxos listados. Mas, não há dúvidas de que as transformações do varejo provocadas pelo avanço da tecnologia e pela mudança dos hábitos de consumo já estavam acontecendo antes do novo coronavírus e continuarão após o período de crise. Talvez, a existência de paradoxos no varejo, ou seja, cenários com aparente falta de lógica que desafiam o pensamento até então estabelecido, seja apenas um sintoma de que ainda existem muitas transformações por acontecer.