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O que o consumidor tem a dizer sobre a sua loja?
29 de outubro de 2024
A conversa é sempre a mesma: “No Brasil, loja que não tem preço, não vai pra frente”. Essa parece ser uma dessas crenças às quais lideranças de varejo se apegam com fervor para apaziguar corações aflitos com o vai e vem da economia brasileira. A narrativa que sustenta a crença no poder do preço baixo faz sentido, mas não funciona como causa de vendas estagnadas: O cidadão ganha pouco, tem dinheiro curto, “vende o almoço pra pagar a janta…”, logo, todo varejo se engalfinha na disputa pelos preciosos recursos desse consumidor eternamente em dificuldade.
Sim, o Brasil é um país de renda média – e nem vou me alongar sobre essa característica. Sim, o mercado brasileiro também é inelástico, ou seja, tem potencial quase nulo para crescer e, ao contrário do jargão popular, “não tem espaço pra todo mundo”. E, ainda que as cassandras do apocalipse resolvam reclamar dos juros altos, é melhor olhar com mais atenção para o consumidor disruptivo e perceber que há excelentes e saudáveis operações de varejo que entregam preço e despertam “algo mais“.
O que complica muita estratégia e plano de negócios por aí é a necessidade de “adicionar valor” (leia-se “vender para cliente com mais renda“). Bom, poucas lojas podem vender para um punhado de gente endinheirada de verdade nesse nosso país. O que prospera por aqui é vender muito para muita gente. Não são poucos os fenômenos espalhados por corredores comerciais nada charmosos – do Brás, da 25 de Março, em São Paulo, ao Mercadão de Madureira, no RJ, ou ainda o Mercado Modelo e a Feira de São Joaquim, em Salvador. E vender para “pobre” é um exercício permanente de humildade, o que não quer dizer que esse consumidor abdique de comprar o que é caro. É óbvio que o brasileiro da renda média compra TV de tela plana, de LED, tem Alexa, air fryer, aspirador robô, tênis Nike e, se bobear, um iPhone. Esse cidadão parcela quase tudo isso em seis, dez ou 12 vezes sem juros. É natural e não deve causar espanto. Como diria o saudoso Joelmir Betting, “no Brasil, quem não deve, não tem.”
Economistas em série, especialistas em sequência e fileiras de cientistas sociais dizem que “falta educação financeira” ao nosso consumidor. Ao contrário, o brasileiro tem educação financeira de sobra. Ele simplesmente se orienta pelo presente, pelo imediato e pelo agora. Faz a escolha possível entre resolver o problema de consumo agora perder a oportunidade depois. Por isso, ser entregador de plataforma de delivery, consultora de beleza, motorista de aplicativo, diarista e toda sorte de atividade que envolve deslocamento, faz tanto sucesso no Brasil. Consumidor em movimento, negociando espaço, emprego, trabalho e dinheiro onde for possível.
A partir dessa educação financeira peculiar, onde o presente suprime o futuro, o consumidor quer se encontrar com a melhor face de si mesmo. Não por acaso, nosso consumidor, homem ou mulher, apela para as BETs (atalho do momento para tentar um dinheiro extra que retorna para o consumo, enquanto retira do próprio consumo o recurso para financiar a própria sortez). Em meio a essa dinâmica, as lojas estão obsessivamente preocupadas em gerar tráfego e, para isso, disparam promoções a esmo, que demandam tanto, custo, esforço e energia e até geram vendas. Porém, esse resultado não necessariamente tem relação com o “funil” que poderia ter capturado leads independentemente de tanta gritaria.
Os vieses e as crenças, no entanto, são fortes. E muitas vezes impedem o varejista de ganhar mais dinheiro olhando para o cliente e decifrando o que o motiva. A sutileza aqui é trocar o megafone de mão: Sai a empresa que só repete “preço bom, oferta e desconto” (sem trégua) e entra o consumidor com suas reviews, comentários, impressões, postagens, exibindo um repertório mais amplo e variado sobre tudo o que a loja vende.
Logo, vale a pena dar motivos para o cliente falar sobre sua loja: Satirizar, reinventar, imaginar e se apropriar do que a empresa significa (como diz Michel Alcoforado, brilhante antropólogo de consumo, que estudou em detalhe os códigos e tensões culturais nas relações do brasileiro com as marcas) e participar dessa conversa. É dessa fonte que Mc Donald’s se tornou “Méqui”, que viu surgir o Outbêco nas favelas cariocas (versão do Outback, rede de casual Dinner) e também a Start Fit (lembra da SmartFit?) e a joia da coroa do deboche, o Spobreto (que você já reconheceu).
É fundamental entender que as marcas tão cuidadosamente gerenciadas por times de marketing e branding por algumas décadas podem, hoje, ser revisitadas por consumidores dispostos a se expressar por meio delas e a colocar os produtos que elas vendem na boca do povo.
Vender “barato” é quase condicional de sobrevivência no país da renda média, mas, dar a palavra ao consumidor para mostrar o que o “preço baixo” representou em termos de conquista, gratificação e recompensa é uma forma de aumentar recorrência. No fim do dia, cada Real usado no consumo tem de reverter em dopamina para nosso carente consumidor – e uma parte dessa dopamina tem origem na possibilidade de falar sobre o que cada Real suado comprou.
É hora de aumentar o repertório. As lojas de “blusinhas” made in China já perceberam essa vontade do consumidor e assimilaram em suas plataformas. Antes de sair por aí tagarelando “preço bom, oferta e desconto), pense no que o cliente vai poder gerar de conversa a partir dessa promoção.
E, antes de achar que isso vai dar muito trabalho ou que não funciona, considere apenas o seguinte: Na cabeça do cliente, varejo que não tem muito o que dizer e que não dá o que falar, certamente não tem muito o que vender. Agora, a palavra é sua.