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A ilusão da capacidade infinita

4 de novembro de 2024

Quantos clientes a sua empresa pode realmente atender? Antes que responda "todos quantos possível", é melhor aprender com as fintechs
Crédito: Money 20/20

Em um cenário ideal, todo varejista quer acreditar que quanto mais clientes tiver, melhor. É fácil cair na tentação e na crença de que é possível atender bem a “todos os clientes”. Esse desejo reflete a ambição de conquistar cada vez mais mercado e expandir a marca para o maior número de consumidores possível. Mas, em uma análise mais profunda, essa é uma resposta simplista e, na maioria dos casos, inexequível. A questão que se impõe não é “quantos clientes você quer ter?”, mas “quantos clientes você está preparado para atender de maneira eficaz?”. De modo ainda mais direto: para quantos clientes de perfis diversos a sua marca é capaz de oferecer valor?

“Tem mercado para todo mundo”

Na era da personalização, empresas que tentam atender a todos os clientes acabam tropeçando em desafios monumentais (e muitas vezes são atropeladas). Na era digital, cada cliente quer ser visto como único, e enxerga em cada compra um símbolo de validação social. Essa expectativa realimenta e amplia preferências, comportamentos e objetivos distintos. A complexidade dessa diversidade exige não só tecnologias qualificadas mas uma estratégia de dados minuciosamente planejada para transformar o atendimento em uma experiência relevante. Assim, tentar atender a “todo mundo”, sem distinção de foco, normalmente é um tiro no pé.

Personalização em escala: o exemplo das fintechs

No Money20/20, evento que acompanhei em Las Vegas recentemente, foi possível ver e conhecer com propriedade  as estratégias de personalização das fintechs. Parte integrante da cultura dessas empresas digitais, a personalização é uma condição para geração e ampliação de valor em toda a base de consumidores. Utilizando ferramentas como Inteligência Artificial (IA), ciência de dados, social listening, jornada do cliente, essas empresas nativas digitais enfrentaram o grande paradoxo da personalização em escala.

Toda fintech bem-sucedida sabe que, para atender a muitos clientes de forma personalizada, é preciso contar com dados estruturados e insights em abundância – não apenas ter dados, mas saber interpretá-los e aplicá-los em tempo real. No entanto, quantas empresas estão realmente preparadas para isso? Quantas já possuem uma infraestrutura de dados que possa captar a complexidade dos comportamentos e expectativas dos seus consumidores?

Qualidade vs. quantidade

Essa busca insaciável por quantidade, o famoso “ganhar no volume”, frequentemente sacrifica a qualidade do atendimento e cria complexidade demasiada na operação – sortimento, gestão de categoria, caixas, muita 8 refração de tecnologias. Em vez de oferecer uma experiência realmente significativa, muitos varejistas acabam entregando um serviço padronizado e genérico, que não consegue suprir as expectativas de nenhum cliente.

Talvez a verdadeira pergunta seja: você está disposto a focar em um grupo específico de clientes e oferecer a eles um serviço impecável? Ou ainda, você sabe quem são seus clientes mais rentáveis e quem são os clientes com propensão de se tornarem rentáveis rapidamente?

A necessidade de uma estratégia de dados sólida

A personalização, para ser eficiente, depende de uma estratégia de dados que permita entender o cliente além do óbvio. E, novamente, o Money20/20 trouxe aprendizados valiosos. O Citi, por exemplo, teve de se readaptar para conquistar alguma relevância para o público mais jovem. Para isso, foi preciso rever toda a estratégia digital para oferecer serviços ágeis, capacidade de diálogo e dar ao cliente o poder de escolher e de se sentir no controle da vida financeira, algo impensável para o banco até há alguns anos. Essa lógica, típica de empresas digitais, também norteou o crescimento dos marketplaces mais competitivos do mercado – você sabe quais são. 

Todas essas empresas de DNA digital sabem como capturar e analisar dados de comportamento, preferências e necessidades de forma integrada e precisa. Se a sua empresa não possui os dados certos, e não sabe como utilizá-los, a probabilidade de falhar no atendimento a uma grande quantidade de clientes aumenta exponencialmente. Mais do que isso, ela se torna presa fácil de empresas com habilidade de interação digital e, se lançam quase que no desespero no Oceano Vermelho da promoção e do preço baixo permanente, o que sacrifica margens e erode a rentabilidade.

O custo da personalização em larga escala

Foi justamente por não buscarem atender a todos os clientes ao mesmo tempo, elegendo alguns alvos prioritários, que as fintechs desenvolveram uma cultura voltada para a criação de modelos, protótipos, testes, testes e mais testes, até encontrarem um formato que permita crescer em escala acelerada. Elas conseguiram ganhar eficiência, assegurar margens e desenvolver negócios adjacentes que melhoram a rentabilidade e, mais importante, trazem recorrência.

No jogo da economia da atenção e do retorno, o cliente quer ter motivos para voltar a interagir com as empresas de sua escolha. E isso também se estende à capacidade que estas empresas têm de oferecer um atendimento verdadeiramente personalizado, na escala ótima que assegura custos razoáveis. É claro que isso requer tecnologia, treinamento, uma visão clara do retorno sobre investimento e coragem para responder a a questão mais provocativa: vale a pena buscar a personalização para todos os clientes? Ou faz mais sentido identificar os segmentos que mais agregam valor e focar esforços neles?

Olhar e estudar os modelos de empresas insurgentes traz lições valiosas que podem ser assimiladas até mais pela mais conservadora das empresas. É preciso evitar a ilusão de que uma rede varejista, por maior que seja, possa atender a um limite infinito de clientes. Nada é mais restrito e limitado do que acreditar em chavões e clichês.

Finalmente, é sempre importante lembrar: não existe mercado para todo mundo. Não existem consumidores para todo mundo. E não existe um número ilimitado de consumidores capazes de serem atendidos pelo seu negócio.